Histórias que transbordam na USINA
Priscila Brito e Julio Beltrão
“Mas ainda haveria mais, se possível
(sonhar é fácil, João Condé, realizar é que são elas...):
além dos estados líquidos e sólidos,
por que não tentar trabalhar a língua
também em estado gasoso?!”
Carta de Guimarães Rosa a João Condé
As tardes na Usina são permeadas por narrativas variadas que ganham forma nos percursos das crianças em suas experimentações artísticas e nas brincadeiras e questionamentos infantis cheios de curiosidades. São medos e lendas que tomam conta do imaginário e aparecem em discussões sobre “Onde vivem os monstros” (a partir de um livro que lemos de Maurice Sendak), uma história que faz pensar naqueles medos que muitas vezes nos paralisam e também na coragem como ingrediente das aventuras.
Expedições em busca de animais pré-históricos que misteriosamente aparecem escondidos em nosso Jardim Urupim (nossa horta intergaláctica ocupada com obras do artista Rubens Matuck, que vieram de outros planetas). Histórias do espaço sideral que habitam o imaginário das crianças e são levadas por um foguete, que durante muito tempo do dia disfarça-se de mesa do ateliê, mas precisa dos equipamentos certos para virar uma nave que leva as crianças a galáxias distantes. São deuses, deusas e heróis da mitologia grega que se aventuram nos mares de Poseidon e levam anos para retornar a Ítaca. Castelos onde habitam reis, rainhas e cavalos que não se contentam em estar apenas em um local especifico: tomam conta do espaço com os enredos criados e conectados por fios imaginários, tecidos e... até canos!
Alô, deixa eu te contar uma coisa?
Essas tantas invencionices são repletas de criações e ressignificações e deixam seus rastros no cotidiano usineiro de tantas formas. Espalham-se. Transbordam, ou como diz uma criança em uma narrativa de show de mágica: “Eu vou me teletransbordar!”. Estas meninas e meninos transbordam com suas histórias e brincadeiras.
Durante o show de mágica do final da tarde, Helô diz: eu vou me teletransbordar!
A exploração com canos ampliou esse movimento de verter histórias na USINA. As narrativas das crianças de 1º ao 5º ano integradas nunca estão em um só lugar e se espalham, correm intensamente e podem ser ouvidas de bem longe sem que se veja quem está dizendo. A palavra que chega de uma margem à outra sem que se veja quem a está falando.
De uma ponta a outra, de um canto a outro, as histórias transbordam pela Usina
Ora a palavra é gritada num jogo, ora sussurrada no ateliê de criação...
Palavras desencanadas para o LER: desenhos como linguagem sensível e artística que contam as nossas histórias
Apropriam-se do espaço e fazem com que a palavra tome formas inusitadas, assim como o LOBO que virou BOLO. É a linguagem infantil poética, sensível e brincante que está (e não é) em estado gasoso e que permite transformações e ocupações. Ou “teletransbordamentos”.
Abril de 2018