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O Colégio São Domingos criou um projeto que envolve alunos de todas as idades (Infantil ao Ensino Médio) na ocupação de ruas, parques, praças e outros locais públicos. 

Há anos o Colégio acumula práticas de estudos de campo, inclusive na cidade de São Paulo. Mas foi a partir de um levantamento de locais públicos próximos à escola, feito por um grupo de familiares, com o objetivo de viabilizar encontros de crianças e adultos em tempos de pandemia que a ideia de fazer um projeto que sintonizasse a escola inteira com usos e questionamentos dos espaços públicos foi ganhando corpo. O contato, então, com urbanistas e programas acadêmicos de estudos urbanísticos e a boa ressonância obtida, inclusive com possibilidades de parcerias, fortaleceu o ânimo criativo para esse empreendimento pedagógico.

Link para o vídeo: Cidade Experiência: modos de habitar São Paulo

O projeto não prevê simplesmente a migração de aulas do ambiente escolar para a cidade. Isso já corresponderia a uma forma de ocupação, mas singela. O desafio assumido pela escola é o de colocar a dinâmica urbana em discussão.

Conceitualmente isso significa, por exemplo, perceber e confrontar os diferentes ritmos e tempos que os espaços da cidade criam; problematizar a ocupação das ruas pelas crianças; questionar os contrastes entre concepções urbanas de regiões que abrigam classes sociais distintas; investigar motivos para que o espaço público não pareça concernir, exceto eventualmente, aos citadinos; 

levantar hipóteses sobre os traços da urbanização no Brasil que levaram a esse quase desprezo pela cidade como lugar de “estar”; mapear as participações de raças e gêneros na composição da população urbana e suas condições de vida e trabalho; buscar entender por que a cidade como campo de concentração da velocidade - nas palavras de um teórico - prioriza o fluxo, a aceleração; levantar efeitos do tão habitual cenário de ruínas de bairros inteiros para a edificação vertical; questionar as muralhas invisíveis – ou nem tanto – que apartam as diferenças sociais em nome da segurança; fazer o levantamento de dispositivos de proteção utilizados em bairros mais abastados pelos moradores e que se assemelham a estratégias empregadas em áreas de conflito/guerras; refletir sobre a concepção que orienta a quase abolição da natureza da paisagem de concreto das cidades; obviamente, essa iniciativa colocará também em foco as mobilizações que procuram alternativas para esse estado de coisas, as intervenções estéticas, políticas, cooperativas que têm origem em estratos sociais variados e seus alcances.

Ocupar interrogativamente a cidade a partir da experiência produzida pelos estudantes e professores durante caminhadas grupais reivindica o método socrático de meditar coletivamente deambulando, na prática conhecida como peripatética.

Certamente, há a modulação dessa experiência para as diversas faixas etárias atendidas na escola. Desde a definição de raios de alcance das atividades para cada turma até o tipo de proposta de interrogação e a produção a ela relativa.

A equipe pedagógica está empenhada em adequar as atividades do projeto aos planejamentos já em curso. Os resultados desse trabalho de investigação virão somar aos conteúdos planejados e contribuir para torná-los ainda mais significativos, uma vez que serão atravessados por experiências vivas.

Algumas cenas
Quando a escola sai do quadrado...e respira!
CSD ocupa SP em grande estilo
junho de 2021

A faixa que não é só para pedestres

“Eu quero chegar ao fim da linha”, reagiu uma senhora idosa à provocação lúdico/filosófica estampada na faixa sustentada por alunos do CSD diante dos carros parados no farol do cruzamento das ruas Cardoso de Almeida e Bartira. Na faixa lia-se: “aonde você quer chegar?”. Quem não teve reação tão espontânea como a daquela personagem urbana, reagiu com indagação, espanto ou um sorriso desconcertado.

Essa foi uma intervenção feita pelos alunos do 7º ano e integra o projeto CSD ocupa SP. Dá para imaginar o que os levou a essa performance? Quantas discussões sobre o ritmo da cidade e de como as pessoas aceleram seus deslocamentos segundo esse ritmo, algumas vezes sem necessidade alguma? Poderíamos nós, os citadinos, optar por não nos render a essa aceleração artificial? Quantas foram as frases ensaiadas antes de definir aquela que foi para a faixa? Na tentativa de produzir uma pausa (dramática?) na dinâmica tida como natural da urbe, os alunos refletiram muito antes de chegar à ideia da intervenção. Terminasse aí o processo pedagógico e já teríamos um caldo significativo do encontro de professores e alunos. Mas eles não se deram por contentes, seria preciso levar esse caldo para a rua para que a consciência recém-processada contagiasse os passantes. “Ficamos satisfeitíssimos com o resultado. As pessoas na rua tiveram, mesmo por um instante, o convite para suspender seus gestos mecânicos, sua pressa ansiosa e, talvez, tenham tido a oportunidade para ressoar a frase no balanço da própria vida e de suas expectativas de futuro”, disseram Carlos Barmak e Wagner Dias, professores que estiveram com os alunos nessa experiência. Valeu!

Arte, café com prosa e encontros felizes

Essa mesma mecanização do olhar e da pressa que nos rouba a atenção dos detalhes abrevia nossos contatos com os “outros”. Mesmo nossos vizinhos ficam, assim, invisíveis. E será que não perdemos preciosidades com essa atitude de indiferença introjetada sabe-se lá quando e porquê?

Foi o que descobriram alunos e professores ao investigar um pouco sobre quem coabita nosso bairro. Nessa toada, descobriram uma artista com ateliê muito próximo da escola ao lerem numa publicação seu depoimento: “Em meio à barbárie que nos assola tem também o olhar que a pandemia nos abre: na porta do ateliê tem um pé de café que fica debaixo da goiabeira, aliás, na rua Caiubi tem vários pés de café. Durante os cinco anos que aqui estou, nunca os vi além da curiosidade. Essa pandemia nos coloca muito em contato com o entorno próximo e, de repente, seus frutos me chamaram a atenção. Fui colhendo o café maduro durante meses, coloquei para secar, torrei e moí. Tomei café da rua Caiubi. Agora, estou colhendo café da vizinhança, ou seja, é uma experiência de “onde aterrar” - olhar para o chão onde você está. Ao mesmo tempo dá um vislumbre de que é possível florestar as cidades”.

A sensibilidade dessa moradora é excepcionalmente coincidente com aquela que buscamos para nós mesmos no desenvolvimento do projeto CSD ocupa SP. Ela já avançou muitas casinhas nesse tabuleiro. Sua experiência narrada nos inspira. Do que fala ela quando diz florestar a cidade? Problematizamos os motivos de o bairro ter tradicionalmente pés de café nos jardins das casas, levantamos quais outras espécies vegetais “moram” também nas residências e mesmo nas ruas. O que seria possível fazer com os frutos dessas vegetações, como aumentar a sociabilidade dos moradores com os produtos confeccionados a partir desses frutos, como o café de nossa amiga artista?, Sim, afinal, no contato da professora Elô Guazzelli com Néle Azevedo – a artista vizinha – o grupo dos 4os anos ganhou um convite para tomar com ela um café da Caiubi, sentados na calçada em frente ao seu ateliê, e conhecer mais histórias. E, mais promissor ainda, segundo Elô, será conhecer a arte de Néle que ultimamente tem rodado o mundo. Ela confecciona esculturas em gelo que são dispostas como instalações pelos lugares mais inusitados da cidade... Melhor acaso não haveria. Suas intervenções duram o tempo do derretimento do gelo. Enquanto isso, muitas reações são tiradas daqueles que as observam. Desde a fruição da beleza curiosa das peças, da inquietação com seu desfazimento inelutável, passando pela ideia de finitude de nossos recursos vitais, para até mesmo provocar a reflexão sobre o aquecimento global – além de muuuitas outras impossíveis de prever.

Inventar uma cidade em que nos articulamos aos outros, não só habitamos o mesmo espaço

“Quais as marcas registradas nos corpos de vocês ao transitarem pela cidade? Como cartografar essa memória sensível? Com quais recursos podemos fazê-lo?”. Assim os professores do Ensino Médio, Thiago (geografia) e Priscila (artes) e Margarete (matemática) se dirigem aos alunos para sensibilizá-los a visitar as muitas camadas do urbano. Alerta: não estamos em busca somente de paisagens bonitas ou impactantes, nem estamos somente em busca do pixo – que tanto atrai os olhares juvenis por evocar gritos de quem não se conforma em ser socialmente calado e que se vale de grafismos para promover tensões com a bela arte. É preciso abrir todos os sentidos para gravar em nós a cidade experimentada na caminhada para depois pensar que cidade inventaremos com esses elementos. Inventar imaginariamente a cidade será uma forma de nos apropriarmos indiretamente da trama urbana. Podemos dizer apropriação conceitual provisória, talvez. A ideia é de que as cartografias produzidas sirvam como lentes pelas quais voltaremos novamente os sentidos à São Paulo existente. Dessa vez, com a propriedade de quem investiga contrastes e coincidências com a cidade inventada subjetivamente.

Por outro viés, Daniel, professor de filosofia, lembra que “o desafio é viver nessa cidade em que vive todo mundo. Esse é um problema para nós: até que ponto a gente está disposto a viver com o outro na cidade? Viver com o outro é pleno de contradições, há diferenças sociais profundas...”.

Não bastasse, outra emulação interrogativa é proferida: “O que move esse funcionamento urbano? Certamente, chamamos genericamente de energia, diz Leandro, professor de educação física. Mas não se trata de uma mesma energia. Quais seriam então as formas de energia que comandam esse fluxo? Nós mesmos, ao caminhar, estamos mobilizando algum tipo de energia em nossos corpos, quais outros tipos movem a vida da cidade? Somos células energéticas que ao se juntarem podem levar luzes às casas?”

Como vemos, problemas e propostas não faltam. Notamos que, algumas vezes, falta o ar aos professores que falam caminhando com os alunos e despendem energias variáveis nessa estratégia peripatética.

Natureza em férias e escola em atividade intensa: tem vaga?

“Que lugar sujo”, dizia um aluno de 1º ano do Fundamental ao entrar no Parque da Água Branca e ver as folhas caídas das árvores no piso das alamedas. Entre as árvores, um funcionário do parque varria ponteiros de pinheiro e levantava poeira com sua atividade. Foi ao longo do percurso um tanto tortuoso para chegar ao ponto de encontro com sua turma que pude conversar com ele sobre o outono, estação do ano em que as plantas começam suas “férias” e deixam as folhas secarem e caírem. Lembrei-lhe que depois elas começam a brotar e verdejar novamente. E que estar próximo da natureza envolve diferenças em relação ao espaço da escola, do playground ou da casa. Ela nos oferece outras circunstâncias e exige outros julgamentos, talvez. Enquanto isso, transitavam livremente entre nós as escandalosas galinhas d’angola, sua excelência o galo, gansos em fila única, misteriosos pavões. E não é que lá vinha o pato, pata aqui pata acolá, ia andando pela pista e deixando marcas de cocô a cada passada. E o pequeno me pergunta de novo: eles não poderiam fazer suas necessidades no mato? Eu já ensaiava sem convicção resposta de que mesmo patos urbanos não diferenciam campo de cidade, asfalto de grama... Mas, por sorte, enquanto o garoto já ia ajustando seus argumentos para nova investida, reconheceu o professor que ele só encontrava pelo zoom e seu sorriso foi aberto sob a máscara e os olhos se arregalaram demonstrando uma alegria que me alimentou o dia. Reações que se repetiam a cada chegada de seus colegas de sala e série. Logo, o papo de sujeira, poeira, outono, férias da vegetação e toalete para patos ficaram para pensar mais tarde, pois o encontro tão desejado por todos nós finalmente se efetivava. E eu caminhei para ver outros grupos que também estavam por ali.

Um conhecido de outras plagas, que usava o parque para fazer exercícios, me reconheceu apesar da máscara. “Escuta! O CSD ocupou a área. Para todo lado que olho tem crianças da escola em atividades com professores”. Coitado: foi vítima de minha carência de conversa causada pelo recolhimento da pandemia. Teve que ouvir em detalhes o projeto CSD ocupa SP. Mas, surpreendente, ele nem se entediou. Concluiu que então estamos desenvolvendo três modos diferentes de escola: remota, presencial e em ambientes públicos. Ainda retruquei que assim ensaiamos uma escola para o pós-pandemia. Ao encerrarmos a palestra de oportunidade, ele parabenizou a criatividade e vigor da escola e me perguntou se teria vaga para colocar sua neta no CSD.

E assim seguimos...

Projeto CSD ocupa SP em imagens

Teaser: https://www.youtube.com/watch?v=JrWSDUsRG2s

Outros registros do projeto:

CSD Ocupa SP - Silvio Barini
https://www.youtube.com/watch?v=5NRQ-NPNDL0&t

Água Branca - o parque é de todos!
https://www.youtube.com/watch?v=Cc3rsRVancI

Usina - CSD Ocupa SP
https://www.youtube.com/watch?v=pY77kwEAXdc

Natureza e Cultura
https://www.youtube.com/watch?v=CtJROj5SiHY&t