A partir do meu posto de observação, como educadora, mãe e profissional de saúde, fico me perguntando o quanto a agressividade, as atitudes anti-éticas e desmedidas das crianças, adolescentes e jovens têm sua origem nos modelos comportamentais dos adultos. Apesar de entender que tais modelos certamente contribuem nesse processo, acho um tanto simplista analisarmos tal fenômeno somente a partir desse ponto de vista. Na medida que concebemos sujeito como aquele que funciona em duas instancias – a consciente e a inconsciente, sendo, desde sempre formado pelo conjunto de relações intersubjetivas, vínculos, vivencias e significações a que é submetido, parece-me razoável pensarmos no quanto, para além dos modelos comportamentais, temos poupado essas crianças, jovens e adolescentes de possibilidades efetivas de assumirem um lugar mais maduro e responsável nas relações que estabelecem.
Acredito que todos nós: família, escola, sociedade de modo geral, ao negarmos experiências que consideramos destituídas de sentido para a criança, ao valorizarmos exageradamente a livre expressão, o “aprender prazeroso”, acabamos de alguma maneira, mantendo toda uma geração no lugar do prazer, da impulsividade, do caos fundador que precisa ser superado para que se constitua um sujeito equilibrado e apto ao convívio social saudável.
Na busca de romper com um autoritarismo exagerado, de promover uma educação e relações democráticas, de tornar o processo de aprendizagem algo “gostoso” e agradável, polarizou-se a questão e, de novo, nós - agora adultos, somos vítimas do autoritarismo, porém, não mais de nossos pais, mas sim de nossos filhos/alunos – das crianças, jovens e adolescentes com quem nos relacionamos.
É importante lembrarmos que todas as grandes aquisições e criações humanas foram frutos de necessidades, de frustrações, de dificuldades – essas é que impulsionaram à busca e à criação. Teoriza a psicanálise sobre a importância da castração – ela ocupa papel fundante na constituição subjetiva. Castração, frustração, dificuldades, desafios... riquezas que podemos proporcionar àqueles que estão em formação, que estão sedentos de referências. Para criarmos é preciso haver necessidade, para transgredirmos é preciso, em algum momento, estarmos submissos à lei; para adquirirmos virtudes é fundamental lutarrmos e nos submetermos a situações que não nos trazem o prazer imediato da satisfação de um desejo, mas, trazem o prazer da conquista - o sabor de vencermos limitações, de superarmos nossos próprios limites; de contermos nossos impulsos.
Temos hoje em nossa frente, toda uma geração de jovens velhos. Crianças, adolescentes, jovens cansados, sem vigor, sem espírito de luta. Sujeitos acostumados a viver facilmente – estudar quando tem vontade ou interesse, falar aquilo que querem quando querem e como querem, descartarem o que não gostam mais esperando que alguém os satisfaça novamente... Podemos pensar: - Que exagero, tratam-se de “crianças”. Crianças crescem e, se não aprenderam a dura e feliz realidade de que a vida não é só prazer acabam por desfazer-se de tudo e todos que osimpedirem de alcançar esse tão almejado prazer: um filho, uma namorada, um índio, uma empregada doméstica, os pais... ou simplesmente agridem, transgridem pelo prazer de fazê-lo.
Pergunto-me, como educadora, o quanto nossas escolas também não tem contribuído com isso na medida em que, em muitas delas, a autoridade tem sido colocada de lado como algo piegas e démodé. Ou, ainda pior, acredita-se exerce-la sem perceber que de fato ela se encontra absolutamente desmoralizada dentro da instituição. Vejo professores, coordenadores e diretores falando em termos de igualdade com as crianças e adolescentes... Não. Não acredito que estejamos contribuindo para a formação de sujeitos críticos, ativos e envolvidos socialmente, mas sim de sujeitos absolutamente egoístas, autocentrados, que em prol de seu prazer e benefício fazem tudo o que for preciso independente do quanto prejudiquem os outros com quem supostamente estabelecem vínculos. Como construir um convívio ético sem supor o cultivo de valores e virtudes? Como cultivar tais valores e virtudes sem que se façam presentes lutas, renúncias aos desejos, pequenos sacrifícios? Como podemos colocar o bem comum acima dos interesses pessoais se não proporcionamos aos nossos filhos/alunos um espírito de renúncia nos pequenos atos cotidianos quando esses podem prejudicar outros?
Estamos tão obstinadamente tomados por essas ilusões de uma vida, de um ensino, um trabalho prazeroso que acabamos por abrir mão de uma parte de nossas responsabilidades de educadores e pais - aquela que é mais difícil, onerosa, trabalhosa/não nos traz prazer – exercer a autoridade, estabelecer e fazer cumprir regras e limites, proporcionar a castração necessária para a fundação subjetiva... é , tudo isso é deveras trabalhoso. É muito mais fácil e agradável dizer um sim, justificar uma atitude inadequada, sentir-se querido sempre, incondicionalmente. Infelizmente, dessa maneira, temos colaborado para esses atos desmedidos que temos assistido e dos quais todos: nós e eles (crianças e adolescentes) somos vilões (algozes) e vítimas.
Simone Ribeiro Cabral Fuzaro