Talvez seja o clima de medo que volta e meia me assalta nos últimos dias, mas acompanho os infográficos que procuram descrever o fenômeno “novo coronavírus” com o coração na mão. Suspendo todos os poréms dedicados ao discurso científico. Quer dizer, quase todos... Mas não posso me dar ao luxo de não acreditar que vivemos hoje uma condição singular.
Os índices não falam de dados abstratos. Falam de mortes, velocidade de contágio, carência de estrutura hospitalar. Isso me faz baixar a guarda e olhar para as tabelas e demais descritivos e ter vontade de acender uma vela. Choque de realidade indesejada.
E nos escondemos em casa bem quietinhos para o vírus passar pela rua e achar que não tem ninguém ali. E não sabemos se ele vai demorar para passar, se depois de passar volta, se fica na espreita de um sinal de vida e, de súbito, ataca... Sabemos quase nada.
É aí, nessa fissura de incerteza de todos nós, que um enxame colossal de narrativas estapafúrdias ataca, difundindo falsidades como se as evidências é que fossem a ficção, confundindo o sujeito comum como eu com as intencionalidades mais rapinas. Bendita estatística. Ela, pelo menos, me faz sentir menos biruta. Sem que isso me alivie. Agora, coração na mão e a estatística em punho posso me ater aos fatos: trata-se de uma peste.
O “novo” coronavírus reedita outras situações de peste – a bubônica no séc. XIV, de origem biológica, e as grandes guerras do séc. XX, de origem política e econômica. As duas têm uma distância de seis séculos uma da outra. A novidade dessa vez está mesmo no fato de que a peste biológica se acopla à peste políticoeconômica. Casamento funesto destas duas pestes.
Como sou inexperiente em sobrevivência sob risco iminente tento o contato com conhecidos. Azar: dois deles são também gestores de escolas. Me cansaram. Especialmente por me saturarem com notícias do efeito da crise corona na moralidade das pessoas, no oportunismo, na prepotência que se aproveita desse clima de insegurança para oferecer liderança. Relatam as disputas políticas em curso nos sindicatos para indicarem o que as escolas têm que fazer. Dizem que algum deles chegou a enviar correspondência fake como se fosse oficial. Me contam de familiares que não são parceiros, mas clientes; me falam que suas instituições trabalham com material didático pré-pronto e que é muito fácil mandar conteúdo para casa e recolher gabarito de respostas; um narra que seus professores estão adorando trabalhar de pijamas. Dizem que há uma luta de foice no mercado de plataformas e aplicativos com representantes fazendo pressão agressiva para entrar nas suas escolas nesse momento. Contam que o mercado está bom para captar alunos de escolas mais caras. Basta!
Será que o vírus tem o poder de promover ménage à trois, incluindo no casamento das pestes biológica e políticoeconômica uma tal peste moral?
Felizmente, meditei por 30 minutos como é recomendável para suportar estresse prolongado. E bufei longamente depois da respiração baixa diafragmática. Alívio: não vivo nada disso! Olho para a Comunidade a que pertenço (com o terceiro olho, claro) e, agora sim, vou acender uma vela – aquela que tive vontade de botar para a estatística não valeu, pois somente nesse estágio de levitação realizei que a intenção da vela não é a devoção, mas o agradecimento.
Tomara que se sintam aliviados e agradecidos como eu por integrar o CSD e ter motivo para ser feliz. Bom fim de semana a todos!
Silvio Barini Pinto