Abreviando, podemos dizer que diante de situação de crise, do abalo dos critérios vigentes, dois tipos de reação são mais comuns:
- 1. Desesperança, angústia, busca individual e mesquinha de alternativas para superar as adversidades, apelo aos deuses, sacrifício de bruxas que seriam as responsáveis pela desgraça em curso.
- 2. Resilência, entendimento de que ainda que a crise tenha origem tanto natural quanto sociopolítica, teremos que produzir distanciamento para distinguir entre a contingência e a duvidosa competência dos poderes para geri-la. Disposição para atuar na mitigação dos prejuízos coletivamente, mas também para perceber que ao tirar tudo do lugar a que estávamos habituados, que ao bagunçar os critérios até então naturalizados, novas combinações originais podem ser feitas.
Procuramos atuar nessa segunda chave diante da crise que passamos. Não cedemos à força inercial do desalento nem da acomodação. Os educadores do CSD foram ágeis, atirados, criativos. Não pensaram em outra possibilidade que não fosse a de manter nossa comunidade elevada. Quiseram rapidamente dar significado diverso à expressão isolamento. Nada de clausura solitária. Ficamos conectados para passar por isso juntos. Nada de sacrificar os vínculos que construímos na escala subjetiva e na dimensão dos conhecimentos. De novo, puxaram o coro da música: “se meu mundo cair, eu que aprenda a levitar”. Todo louvor a esses profissionais dedicados e ao humanismo que os nutre.
Mesmo assim, é possível que, em alguma medida, o medo produza monstros, a insegurança perpasse todos nós. A fantasia distópica venha a nos tombar. Apesar de todo esforço no sentido contrário, é preciso não subestimar o que se instala nos porões da racionalidade vigilante.
Se nos adultos é suposto que ocorra a consciência de que crises são atravessadas, superadas... que delas podemos sair até reinventados. Nem sempre podemos pressupor essa consciência nos mais novos, jovens adolescentes inclusive. A curta história de suas existências não lhes oferece o olhar perspectivo necessário para confiar na superação. Deixá-los abandonados a si mesmos nessa hora pode dar azo à insegurança e ao sofrimento.
Estamos aqui às voltas com tantas expressões da língua inglesa (hangouts, classroom, meetings, zoom, etc), todas relativas a ferramentas digitais para encontros e trocas virtuais. Quase todas empregadas em nosso esforço de chegar até a casa de vocês e abrir uma janela de interação com suas crianças e adolescentes. Arrisco aqui e agora a lembrança de uma expressão em língua materna que se refere a atitude simples e quase esquecida: conversa.
O recolhimento imposto pela krísis nos bagunçou também a noção de tempo. Que tal aproveitar essa chance e esticar o tempo? Não para fazer e fazer e fazer, de forma a nos sentirmos produtivos... Esse vetor social da temporalidade atual pode ganhar intervalos, novos ritmos com a excepcionalidade do momento. Convido-os para dedicar tempo largo às conversas com as crianças e jovens.
Não muito distante na história, os mais velhos costumavam sentar-se junto ao fogo, sentar-se nas varandas das casas, na poltrona da sala e colocavam-se a narrar histórias. Por essas narrativas escorria de tudo, leituras feitas, viagens vividas, encontros memoráveis, aventuras fantásticas, sensibilidades experimentadas. Mas o que realmente ficava de todas essas modalidades de narração era a experiência geracional que se transmitia sem aconselhamento, sem moralismo, sem intencionalidade determinada. E isso tem o efeito de hipertrofiar, nos mais novos, a noção do seu estar no mundo. Introduz a ideia de que existir não é viver apenas o presente. Referencia para eles a duração alargada da cultura, da ação humana no mundo. E, por ser de fato experienciada na conversa, não é abstrata nem conceitual.
Saber que a existência humana tem longa duração e que sua riqueza está nas formas como a experimentamos, elaboramos e comunicamos é um bom antídoto para o imediatismo assustador, para a percepção apenas instantânea da experiência. Para isso, não necessitaríamos do Google, nem da Microsoft e além do mais daríamos folga para os olhos saturados frente às telas, daríamos um tempo daquela dinâmica frequentemente adotada contra o tédio que é cada um no seu celular deslizando o olhar por campos de interesse duvidoso, só para passar o tempo. O liso da tela não favorece experiências. Gerações que usam seu tempo dessa forma não terão, ao envelhecer, o que contar aos mais jovens.
Dê um tempo – de presente – para os mais novos! Será a base para construírem o porvir.
Bom fim de semana!
Silvio Barini Pinto