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Um adulto liga, aflito, para a escola. Diz não saber ajudar seu filho a acessar as atividades postadas pelo Colégio e que “assim não vai dar certo”. A coordenação, que estava acompanhando em tempo real as postagens dos alunos, estranha o telefonema e comunica o estranhamento: “seu filho está no ambiente virtual há algum tempo e já postou duas das atividades realizadas com bastante esmero. Talvez não necessite de sua ajuda.”

O episódio ilustra bem como os mais novos assimilam as ferramentas eletrônicas muito rapidamente. Vários familiares já nos avisaram que a autonomia se instalou em pouquíssimo tempo. Vale dizer que as ferramentas digitais também são auto explicativas, intuitivas ou amigáveis – como se dizia antigamente. Mas lembremos que eles também já nasceram com chips avançados em seus DNAs.

Noutra das plataformas utilizadas, um grupo se reuniu virtualmente sem que o professor solicitasse e passou a debater sobre as questões propostas em uma das atividades, reproduzindo assim a dinâmica coletiva a que estão acostumados em sala de aula. Em outra ocasião, alunos mostram uns para os outros suas produções a partir de fotos de seus cadernos e um deles percebe que a mesma falha está sendo cometida por vários. Não tem dúvida: grava um vídeo dando orientações de como superar aquele aspecto do raciocínio. O que faz um educador nessa hora? Acompanha, estimula a continuidade das trocas, faz uma ressalva ou outra, dá destaque para aquilo que lhe parece ser mais relevante no processo. E pensa no próximo desafio que deve estar à altura do que os alunos já são capazes.

Quanto ao receio inicial dos adultos de serem sobrecarregados com o acompanhamento dos afazeres escolares de seus filhos a partir dos posts do Colégio, narramos outro paradoxo pitoresco: vimos alunos solicitando que adultos deixassem de se cadastrar e fazer as atividades que foram desenhadas exclusivamente para eles. Sim, muitas vezes em reuniões de apresentação do trabalho pedagógico há algumas manifestações de familiares “puxa, posso me matricular também?”, mas sempre achamos que se tratava muito mais de retórica para expressar admiração e elogio ao Colégio. Mas parece que alguns levaram a ideia a sério literalmente. E, por outro lado, quando os alunos solicitam que esses adultos saiam do ambiente, isso pode significar que eles defendem uma reserva de privacidade para seus ensaios de construção de argumentos, rascunho de raciocínios lógicos, de pensamento reflexivo e escrita imperfeitos. Dividem com os adultos educadores suas piruetas intelectuais, seu tateamento por entre as redes de conhecimento, mas com os adultos educadores é diferente. Valorizam esse contato pois nele é viva a contextualização dos conteúdos e recursos em jogo. Quem tenta entrar na partida sem conhecer os contextos que dão significações às atividades, corre o risco de não conseguir sintonia com o grupo e causar ruído.

Fato é que temos pela frente oportunidade incrível de observar crianças e adolescentes colocando em ação conhecimentos que revelam sua potência intelectual, sua desenvoltura, seu interesse pelo que o Colégio lhes proporciona. E muito mais do que isso, eles estão nos dando uma bela lição de como a tecnologia pode ser instrumento de produtividade e não só de circulação de frivolidades, achincalhes, ondas de indignação ou de shitstorms - expressões cunhadas por um estudioso da cultura digital.

Algumas vezes, questionados sobre que posição teria a escola sobre o uso de tecnologias, dizemos que as redes são uma realidade indefectível e que cabe às pessoas de boa vontade aquecê-las, pois na maior parte do tempo elas são frias, geladas, alheias ao propósito de fortalecimento dos laços sociais. Crianças e adolescentes nos brindam com essa experiência fantástica em que levam a efeito uma verdadeira inteligência coletiva.

Cabe a todos nós, adultos responsáveis por estudantes, esboçar outros papéis para nós mesmos, outros modos de lidar com a capacidade que algumas vezes intuímos que eles tivessem, mas que nos faltava convicção. Tutela eles estão a nos dizer que não precisam. Como fazer para acompanhá-los, confiar a eles responsabilidade e reivindicá-la na medida justa? Escutá-los, aprender com eles talvez seja o indicativo que recebemos nessa oportunidade.

Eis mais um presente que o enfrentamento responsável da crise pela qual passamos nos oferece.

Silvio Barini Pinto