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Crescimento que não poderia ser analisado sem considerar a dimensão psicológica produzida pelo tom espetacularmente fóbico da difusão das notícias. Se absorvermos apenas literalmente, sem reflexão, o que circula pelas mídias digitais e analógicas, todos nós, em algum grau, somos tocados pela possibilidade de estar em risco iminente de morte.

Certamente, muitos que adquiriram o vírus recorrem imediatamente a médicos e hospitais. Os que têm recursos vão aos considerados melhores. Eles estão ficando lotados. Isso dá clique na internet e pauta os jornais. SUS lotados e sem recurso já são matéria fria. Os profissionais de saúde à frente desses centros, por sua vez, também estão sujeitos à complexidade desse fenômeno e reagem com todo o instrumental técnico que têm para responder à necessidade de atendimento às demandas produzidas nessa onda de medo que viralizou (o trocadilho é inevitável aqui) pelas redes de comunicação. Verdadeiro estado de emergência estaria sendo sustentado pelo pânico.

Haveria intencionalidades envolvidas nisso? Há quem o afirme (Giorgio Agambem, veja aqui). Fato é que tudo isso traz consequências sociais que precisam ser interpretadas pelos efeitos que, a médio prazo, podem causar.

De outro lado, patologistas e epidemiologistas que pesquisam e analisam os dados estatísticos sobre o comportamento da pandemia (termo assumido pela OMS) relativizam os efeitos do coronavírus, comparando-os aos danos causados por outros vírus, inclusive o H1N1. Há depoimentos documentados (Beny Schmidt, da UNIFESP, Drauzio Varella, Paulo Saldiva, Pesquisadores da Fiocruz) que procuram demonstrar que o contágio pode sim provocar o agravamento de situações de saúde em pessoas debilitadas por doenças preexistentes, acometidas de deficiência imunológica, sobretudo os idosos. Porém, isso poderia ocorrer na mesma escala (ou ainda menor) de um surto de febre amarela, chykungunya ou meningite.

Ou seja, os casos de contágio devem se multiplicar, sem dúvida nenhuma, até mesmo exponencialmente. Essa inclusive é a condição para que a espécie humana produza resistência imunológica a esse vírus específico. Na Itália, a curva de evolução da doença já iniciou a tendência decrescente. Teremos a gripe causada pelo coronavírus, em algum momento. Isso é certo. Entretanto, a mortalidade provocada pelo contágio de corona não seria iminente nem indiscriminada.

O que levar em conta nas decisões?

Apesar das controvérsias, temos que tomar decisões. Devemos fazê-lo à luz do pânico ou da reflexão ponderada?

Até o dia de hoje, OMS, Ministério da Saúde, Vigilância Sanitária não recomendam genérica e expressamente o fechamento dos centros de educação básica ou universitária em que não tenham ocorrido casos de infecção pelo coronavírus e mesmo quando ocorrem, a análise deve ser local, caso a caso. Ao menos enquanto a incidência seja em baixa escala.

No entanto, as mensagens veiculadas em whatsapp e facebook, algumas coberturas pela TV e alguma imprensa escrita fazem pressão para que ocorra a interrupção das aulas. Uma instituição que decidiu não parar as aulas após informação de que alguns de seus alunos contraíram a Covid-19 foi assediada por repórteres televisivos que insistiram no questionamento de se a instituição assumiria a responsabilidade pela eventual morte de alunos... Como se houvesse uma causalidade lógica para esse desfecho trágico. Como se ele fosse uma inevitabilidade. E como, se vier a acontecer o pior, tivesse sido a continuidade das aulas um imperativo para o contágio fatal. Reportagem veiculada, o que pensará a população amedrontada sobre a decisão da instituição que segue as orientações dos órgãos de saúde?

De outro lado, algumas escolas e faculdades fecharam suas portas, mesmo contra as orientações da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. Isso corresponderia a uma imposição de isolamento para seus alunos e profissionais?

Fiquemos com as escolas de ensino básico. Sem aulas, sem possibilidade de ficarem com os pais ou responsáveis diretos, as crianças, sobretudo as menores, ficarão com os avós, com babás ou doméstica(o)s – que têm origem humilde, utilizam dois a três transportes públicos para chegar ao trabalho, o que certamente os deixa mais vulneráveis, e, sem supervisão, não é certo que seguirão protocolos de prevenção. Ora, não estaríamos reunindo os principais grupos de fragilidade diante da infecção?

Fechar universidades, escolas, inviabilizar pelo medo os encontros, reuniões, agrupamentos – isso não era um projeto de alguns governos para fazer cessar as manifestações culturais, as reflexões políticas? A recomendação de manter distância dos outros (afinal, todos são suspeitos de nos transmitirem a tal peste), de modificar os hábitos de apertar as mãos, beijar os rostos, abraçar não soam como uma interdição à cordialidade nas relações humanas? Uma nova economia dos gestos não introduzirá também um comportamento aversivo ao outro, considerado ameaça? Até que ponto esse comportamento ultrapassará o contexto do surto?

Precisamos ser cautelosos com relação à proliferação do vírus, mas a precaução também deve estar a serviço da vida social mais ampla. Não estamos divididos somente entre doentes e saudáveis – estes ameaçados por aqueles. Chineses estão sendo discriminados na Europa. Estados Unidos fecharam suas fronteiras. Itália idem. Será que o tratamento que está sendo dispensado à pandemia do vírus vai realizar o amuralhamento que nenhum governo xenófobo havia até agora conseguido?

Há quem prefira não enviar seus filhos às escolas por um tempo como prevenção. Essa é uma decisão pessoal. Sem justificativa médica para isso, trata-se de uma posição que apenas respeitaremos. Diferentemente, qualquer doença infecciosa, uma vez diagnosticada por profissionais da saúde, deve levar o doente a se ausentar das atividades escolares. Nesses casos, a escola providenciará atendimentos a distância para mitigar os prejuízos da ausência.

Entendemos que nenhuma pestilência pode fazer cessar o compromisso social da escola de dar continuidade ao cuidado humano que envolve pesquisar, analisar, refletir sobre as informações e consequências por elas geradas. Isso, feito presencialmente, significa olho no olho e estreitamento da confiança recíproca e possibilidade de acolhimento diante dos medos produzidos. Olho no olho, a um metro de distância, não transmite vírus.

Para além das wavenews

Corremos o risco de convidá-los a essa reflexão e, com a evolução muito acelerada do fenômeno (contágio do vírus e contágio comunicativo do medo), sermos obrigados pelas circunstâncias, pela pressão social ou por algum poder a tomar a decisão de interromper as aulas a qualquer momento.

Pode ser! Entretanto, o que não podemos deixar de fazer, na condição de educadores, é atuar sem refletir e seguir ingenuamente as wavenews, ainda que propugnadas por figuras de destaque dos hospitais de prestígio. Precisamos de serenidade para ouvir também outros estudiosos (de não menos relevo do que aqueles que atuam nos centros de tratamento intensivo, lidando com a urgência) que procuram distanciamento do tsunami amedrontador para produzir análises mais bem ponderadas e cientificamente processadas.

Talvez amanhã eu não esteja presente no trabalho por ter sido infectado. Integro um grupo de risco grave: velho, cardiopata, asmático, sem recursos para me internar no Einstein ou Sírio. Avisarei a comunidade assim que ocorrer. Outros tomarão meu lugar e a vida escolar seguirá seus rumos. Se for o caso de suspender as aulas presenciais por recomendação oficial, restará o ensino a distância como opção. Mas, no recolhimento (temporário ou definitivo), ficarei feliz de ter proposto a vocês uma pequena contribuição reflexiva. Pretensamente, tenta ser um tantinho de ventilação mecânica forçada em evento de asfixia por saturação ambiental.

Silvio Barini Pinto
Direção