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O que é um adolescente?

Será que podemos reduzir a adolescência a uma fase em que há uma labareda de hormônios agindo em um corpo refém de novas sensações?

Podemos definir a adolescência sob pelo menos três pontos de vista, o biológico, o sociológico e o psicológico.

Do ponto biológico a adolescência inicia-se com a puberdade, os órgãos genitais se desenvolvem e opera-se um desenvolvimento físico importante, assim como alterações anatômicas. Os meninos têm sua primeira ereção seguida por ejaculação, a voz engrossa, os primeiros pelos aparecem. Na menina chega a menarca,ou primeira menstruação, começa a crescer as mamas , a cintura afina dando início a um ensaio de corpo sensual.

Para os sociólogos a adolescência compreende ao rito de passagem da infância para a vida adulta, sendo que para algumas culturas isso se dá de forma muito rápida através de algum ritual iniciático, por exemplo. Para o ponto de vista social, a diferença está na postura e deveres que este ser irá desempenhar.

Não dá para falar dos aspectos psicológicos sem levar em conta os dois aspectos anteriores uma vez que o adolescente está recebendo esta chuva de hormônios e mudanças físicas além de ser cobrado pela sociedade ora como muito novo ora como velho demais. Afinal que lugar ele ocupa?

Os rapazes e as mocinhas de hoje, passam pela vida em reviravoltas de humor, paixão e ódio que não precisam do tempo de um dia para mudar e sim horas, minutos, momentos... aliás, esta é uma fase em que a dificuldade é justamente não ter a certeza de saber o que sentir no momento seguinte.

Quem eu amo? Qual meu modelo? O que farei daqui para frente? Gosto de boneca, mas também gosto de rapazes! Estas meninas são muito chatas, mas sabe que elas me atraem?

Trata-se de uma revisitação do passado através de uma interrogação sobre o futuro, e nesta dialética ele tende a historicizar sua subjetividade e com eles, os pais também são convocados a reviver este processo transformador.

Onde existe um adolescente residem pais que vivem um adolescer de uma nova etapa, o potencial de envelhecer, de serem pais de um adulto, o que suscita de fato sentimentos muito contraditórios. Essa fase gera a necessidade por parte deste casal de pais de uma resignificação, nova simbolização da posição que irá ocupar na vida deste filho. É um triângulo adolescendo para novas ideias, novas angústias, novas experiências.

É neste encontro-colisão da adolescência que reside uma assunção da subjetividade tanto do filho como ser humano independente, com ideias próprias, como dos pais que ficam à espreita vendo serem destituídos da posição de figura idealizada. O adolescente “mata” a imagem de pais heróis criando uma série de conflitos para seguir rumo a um caminho próprio para depois retornar, sem sentir-se ameaçado por ideais dos pais. É como se precisassem tomar uma distância para reconhecerem sua imagem, como uma pessoa inteira que sobrevive, mesmo sem a figura dos pais.

Muitas vezes neste momento surgem as brigas, questionamentos, teste de autoridade, e não raramente contestação da posição dos pais. É um exercício, um treino para a vida adulta.

Mesmo com toda a dificuldade, o ideal é que eles encontrem um ambiente satisfatório para que todos estes conflitos e angústias sejam impressos, isso faz parte da fase separação-individualização. É necessário que os pais possam tolerar seus sentimentos (seus e dos filhos) de raiva, pena e amor,para que o adolescente tenha condições de criar sua subjetividade, sempre deixando claro que há regras. Regras, segurança e amor, esta é a fórmula.

Maturidade, dentre outras coisas, é tolerar ideias novas, tolerar ser destituído para que o filho tome lugar no mundo adulto, saber ouvir e fazer-se ouvir, demonstrar que ama e deixar claro de que você estará sempre ali,olhando para nada de pior aconteça, observando com respeito os pontos de vista daquele que não é uma extensão de sua imagem, e sim, uma pessoa de uma nova geração que tem muito de você, mas que irá criar um mundo novo ao seu redor...

Patrícia Nunes Fernandes

Gestão de conhecimentos sob o signo da complexidade

A gestão dos conhecimentos na escola se dá numa rede complexa de intersubjetividades, interações com recursos materiais e imateriais, constituição de linguagens, de sujeitos, de contextos... Tudo no plural!

Para desempenhar essa tarefa bem valeria ser uma mosca. Nada de mosca gigante como a do filme em que o personagem se transubstancia em inseto hipertrofiado e a todos ameaça. Mosca insignificante, discreta ao ponto de nada perturbar.

Eu mesmo, que fique claro, me indisponho até com as drosophila melanogaster, aquelas mosquinhas de frutas. Quando as vejo, não basta espantá-las, lanço sobre elas alguns vaticínios e emito visceralmente um “eu as odeio”. De onde viria, então, a simpatia repentina pela imagem da mosca?

Trata-se de uma descoberta recente, ao acaso, como são as boas descobertas, de que as moscas têm uma faculdade fantástica de enxergar sempre de maneira múltipla. São dotadas de cerca de 1000 omatídeos, pequenos olhos que captam esse mesmo número de 1000 imagens distintas do ambiente em que se encontram. Nem se quisessem teriam como colher uma única informação isolada. Sua fisiologia impõe a percepção do mundo pela complexidade.

Essa potência da mosca talvez permitisse vislumbrar melhor o funcionamento complexo e rico da escola e, valorizando-o em vez de tentar liquidá-lo em nome de paradigmas de gestão ultrapassados, nos fosse possível ajustar a educação aos desafios contemporâneos.

Complexidade tem como matéria prima o heterogêneo. Lidar com a complexidade sem reduzi-la aos esquemas didáticos, sem estripá-la, requer para nós outros, que não somos moscas, primeiro a determinação de fazê-lo, depois, como consequência, o respeito. Digo respeito não como tolerância, não como benevolência, mas como obstinação de olhar de novo (como o significado original de re-espectare) e de novo e de novo... e compor, com esses olhares múltiplos, múltiplas compreensões que não formam síntese definitiva, nem determinam lei ou lógica qualquer. Formam redes instáveis.

Nessas redes nos deslocamos. Somos nós mesmos que organizamos os circuitos da rede que queremos frequentar. Nós mesmos que iluminamos algumas conexões e esmaecemos outras. Somos nós que traçamos significações com os elementos que na rede estão dispostos, produzindo assim conhecimentos. Conhecimentos experimentados, vivos, que recorrem aos modelos clássicos, aos algoritmos da ciência, ao saber acumulado historicamente, mas a partir da necessidade posta pela investigação coletiva circunstanciada a problemas autênticos.

Assim, fazemos educação respeitosa, sobretudo para com a complexidade do mundo. Jeito de ultrapassar a hipocrisia temerária de apresentar às gerações mais jovens a realidade como totalmente controlável, previsível, que caminha para o aperfeiçoamento, em vez de inseri-los e a nós mesmos no sistema aberto paradoxal e mutante no qual podemos deslizar nossas existências de maneira autoral.

A sabedoria está, então, em desenvolver estratégias para lidar com o plural, o movente, o contingente e o acaso de maneira a favorecer as aprendizagens de todos os envolvidos na cena educacional.

A experiência de olhar de novo, de novo, de novo... a nós mesmos, a nossos alunos, as famílias que dividem conosco a educação dos filhos permite a constatação do quanto a diferença é estruturante da realidade e fundamenta as relações. Um biólogo escritor, de quem roubo deliberadamente pensamentos, diz que a humanidade produziu respostas adaptativas infinitas durante sua evolução até aqui justamente porque “fomos nos cruzando, trocando genes, traficando valores. Fomos capazes de sobreviver por causa dessa diversidade”.

Vejam que nesse enunciado há a diversidade biológica e cultural como característica da hominização. Sem hierarquia, o que é mais fantástico!

Na intersecção desses campos (biológico e cultural) se desenvolve a produção de subjetividades, tendo nas múltiplas linguagens os dispositivos em que se apóia. Ter isso claro importa para que não tomemos a linguagem apenas como meio de manifestar conhecimento, mas como instituinte dos sujeitos-conhecimentos que somos. Não precisamos mostrar o mundo aos mais novos. Mas, na linguagem – com códigos consensuados, tateando certas técnicas e subvertendo outras –, construímos com eles sujeitos e mundos variados.

Essa é uma maneira de incitar a viver explorando as potencialidades de todas as situações, de todos os encontros, das possibilidades de nós mesmos.

Leitura e escrita, nessa perspectiva têm significados bem mais amplos. Ler o mundo como enredo não é exclusivo da literatura ou do relato científico. É a condição com a qual estamos no mundo quando o admitimos complexo. É ação que requer uma faculdade humana das mais sofisticadas e com a qual desde sempre contamos (embora a educação pouco a chancele): a interpretação.

Escrever, por sua vez, é extensão da leitura desse tipo. Insatisfeitos com apenas interpretar/criar mentalmente, queremos mais, somos impelidos a nos inscrever com nossas percepções nesse mundo-texto para também sermos interpretados e reconstruídos. Há muitas formas de fazê-lo. Quando controlamos algumas linguagens nos inscrevemos por meio delas. Algumas atitudes comportamentais correspondem a esse impulso por falta de outro recurso de expressão, muitas vezes.

Ler e escrever o mundo como sujeitos-conhecimentos são procedimentos também de afirmação da heterogeneidade dos sujeitos e dos conhecimentos.

Mas como enredar a heterogeneidade?

Está aí uma de nossas maiores questões. Diante dela nos cabe reafirmar a busca e produzir cada vez mais soluções provisórias. O trabalho de enredamento corresponde ao de curadoria. A disposição dos elementos a serem visitados é que vai lhes dar sentidos novos. Para isso é fundamental planejar intencionalidades (no varejo, nada retórico nem mega) e reservar no planejamento espaços para o acaso, as alternâncias, as mudanças de estratégias.

Pois de outra forma, corremos o risco de perceber a complexidade, “diagnosticar” as diferenças sem saber o que fazer com elas.

Retomo a imagem da mosca, dessa vez por outra ótica.

Ela, que tem tantos recursos para olhar e ver o complexo, não é capaz de entrar na rede proposta pela aranha sem sacrificar-se. Claro, ela a acessa sem estratégias. Isso a difere da aranha que sabe muito bem caminhar pela teia, refazê-la sempre que necessário ou mudá-la de lugar. Afinal, ela tem claros seus objetivos. E para alcançá-los, alterna seus métodos.

Desisto de propor a candidatura da mosca para gestora.

Humanos, eu e vocês, sujeitos-conhecimentos, saberemos agenciar em nossos contextos os recursos que precisarmos para formar redes de significação que façam do conhecimento matéria em movimento. Quer eles se encontrem na mais odiosa mosca ou na mais peçonhenta aranha. Bastará estar dispostos a reconhecer potencialidades – mesmo ali onde pareça à primeira vista improvável encontrá-las – e definir e redefinir estratégias.

Silvio Barini Pinto

Por ocasião do aniversário do Colégio São Domingos em 2010

Quero agradecer a todos que atenderam ao convite para esse encontro que tem como motivação os 50 anos da trajetória educacional do CSD.

Sua história começou com setores do bairro de Perdizes organizados para criar uma instituição alternativa para educar suas crianças e jovens.

A essa iniciativa, ao longo de 50 anos, uniram-se tantas pessoas que nem mesmo um grande auditório seria capaz de acomodá-las. Gente muito comprometida e competente esteve e está envolvida com este projeto educativo. São todos coautores desta obra aberta que é o CSD. Uma seleta multidão.

Aí está a riqueza desta escola e seu diferencial: faz-se a si mesma continuamente, sem desviar-se dos princípios fundantes – permanece fiel a sua origem comunitária e continua alternativa frente a muitos arroubos mercantis e utilitaristas que marcam a cena educacional em nosso tempo.

Por isso, vigor e juventude são traços que cultivamos aos 50 anos.

Temos determinação para atuar consistentemente na formação de sujeitos inquietos com a realidade social, mas também proponentes de soluções que apontem para a sustentabilidade da espécie humana num planeta abalado pelas tantas voracidades de consumo.

Apoiamo-nos, para isso, na qualificação de nossos educadores, no suporte que nos presta a Associação Cultural São Paulo, mantenedora do CSD, na participação construtiva das famílias que optam por dividir conosco a educação de seus filhos, nos próprios estudantes que não cansam de nos ensinar. Apoiamo-nos, sobretudo na clareza e comunhão de objetivos de todos esses atores institucionais.

Destaque é devido à equipe de professores, aos funcionários administrativos e à equipe de coordenadores que pensam e, com coerência e responsabilidade profissional, articulam o pensamento na prática cotidiana.

Tanto acento no coletivo, não abole as subjetividades individuais. Ao contrário. Aqui, a manifestação subjetiva é incentivada desde 50 anos atrás. É ela que empresta energia vital aos fazeres comunitários.

Valendo-me pois desse éthos da escola, deixo aqui, nas palavras que seguem, o registro pessoal de minha presença como diretor atual do CSD.

Cito uma frase: “Estou cansado. Sinto que tenho mil anos” – essas são palavras que ressoam em minha memória desde que as li em um historiador. Ele acabava de percorrer as fontes da história da fase medieval de seu país e fazia uma pausa antes de ir em frente. Ele sentia ter vivido a história pesquisada. Misturava-se a ela.

Estou animado, sinto que tenho 103 anos! Este sou eu que somo minha idade aos anos do CSD. Este gênero de embaralhamento de tempos, para o historiador ou no meu caso, caracteriza um quase mimetismo entre o sujeito e a instituição – ele e a história ou eu e o colégio.

Esses tempos cruzados podem ter sido vividos em paralelo, sobrepostos ou complementarmente. No meu caso com o CSD é fácil reconhecer extensões, pontes, dutos de conexão entre minha história e a dele.

Isso é acaso.

Afinal, o mimetismo construído acontece mesmo é no dia a dia. No tanto que sou absorvido e absorvo CSD. A pulsação da escola dá o ritmo da respiração. O saber dos outros acolhe meus saberes e ignorâncias. A energia dos alunos injeta coragem. O apoio e a torcida das famílias animam. Estou entre amigos. Em torno de um projeto de educação sério e consistente, buscamos juntos um pouco de felicidade. Alerta: isso vicia.

Mas é vício de virtude. Então pode!

Mais do que a felicidade, que é rara e fujona, o que dá liga mesmo nessa mistura é o buscar juntos. Mais do que ter 103 anos, é fabuloso sentir-me misturado a tantos quanto somos em comunidade. Vivo esse presente.

Velho e múltiplo. Eis o que estou projetando para mim mesmo. Que sonho de felicidade!

No mergulho que fizemos no acervo de fotografias para dar início ao livro dos 50 anos do CSD, constatamos que esta escola registrou-se em inúmeras imagens, ao longo do tempo, como lugar de participação alegre, como coletivo integrado, e isso fala do desejo daqueles que a ajudaram a existir. Percorrer essas fontes faz produzir a pergunta em mim: como eu não estava ali?

Por acaso.

Vivi então, somente agora, aquele passado do CSD. Intensamente, por suposto. Dessa maneira, entro em sincronicidade com mais todos aqueles que, desde o início, construíram essa história com muita implicação, entrega. Mais gente ainda em minha vida! Felicidade!

Desejo felicidade para a multidão que nós todos constituímos! Longa vida ao CSD que agrega e cultiva nossa multidão! Longa vida!

Silvio Barini Pinto