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Quais possibilidades abrem as explorações com jogos de luz e sombra?

Considerando que a cor é luz, as crianças exploraram vibrações luminosas e criaram jogos com diferentes objetos. As pedras, lantejoulas, bolinhas de gude, penas, cubos de acrílico foram ressignificados e ganharam lugar de elementos  que permitem infindáveis pesquisas de composições visuais.

Quais formas podem emergir? No passeio das mãos, corpos, materiais e luzes foram se compondo em trajetos sensíveis que ampliam o olhar e a percepção do toque. Atravessadas pelas luzes as crianças podem expandir potências e experimentar tantos modos singulares de composições poéticas ... O que funciona sozinho? O que compõe e ganha camadas com outros elementos? Quando o corpo é revelado?

Nas investigações dos pequenos, a brincadeira com a luz transbordou o suporte do retro-projetor e da imagem refletida na parede, e convidou a levantar o olhar para o plano mais alto. As variadas direções das luzes convidaram a ver por diferentes ângulos. A energia da cor abre a possibilidade de incontáveis efeitos dessas experimentações luminosas.

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Olho para o céu

Tantas estrelas dizendo da imensidão
Do universo em nós

Caetano Veloso – Céu de Santo Amaro

Nave para base, nave para base! Atenção, vocês me escutam? Preciso contar sobre como as meninas e meninos dos agrupamentos decidiram construir um foguete que os levassem até o céu. É uma história um tanto curiosa, veja bem, para chegar às nuvens pensamos em feijões mágicos, escorregas, aviões e foguetes. Foi um percurso e tanto!

A construção do foguete pelas crianças dos agrupamentos que frequentam a USINA insere-se em um projeto de brincadeiras que permeou nosso cotidiano durante o primeiro semestre de 2017. Às quartas-feiras foram pensadas para a criação de brinquedos: os meninos e meninas maiores os fariam a partir do manuseio da madeira, já as crianças dos agrupamentos iriam construir um brinquedo coletivo.

Em nossa roda de conversa, surgiram muitas ideias sobre o que poderíamos construir: “Vamos fazer um brinquedão com canos?”, diz Maria Clara, já Caio dá a ideia de construirmos um escorrega que dê para o tanque de areia; a estes pensamentos seguem-se muitos outros até que Thalita fala que poderíamos “fazer um escorrega para chegar na nuvem”. Ora, quem não quer ir até o céu? Começamos, então, a pensar sobre como chegar tão alto. Como contei no início do texto, pensamos em feijões mágicos, escorregadores que nos levassem lá para cima, aviões, até que chegamos, enfim, ao foguete.

Como construir este foguete? Ele deveria ser grande, para caber “mais ou menos três ou quatro crianças”, segundo a Mallu, e como o Silvio estava ajudando os maiores com a marcenaria, contamos nossa ideia. Ele nos disse que, ao invés de usarmos madeira, poderíamos construí-lo de papelão. Descobrimos que Cinthia sabia fazer foguetes de papelão e logo a convidamos para se unir nós nesta aventura.

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Cinthia nos ajudando a construir pequenos foguetes

Começamos a pensar no foguete, seus formatos e cores. Construímos primeiro pequenas naves espaciais que nos ajudariam a ter uma ideia sobre o grande brinquedo que iríamos fazer. Além disso, pesquisamos muito sobre foguetes, estrelas, a lua, o sol e os planetas por meio de livros, filmes e uma visita muito especial da Raquel, aluna do segundo ano do ensino médio que é muito sabida neste assunto e quer fazer faculdade de astronomia. Todo este processo nos ajudaria a compreender mais sobre naves espaciais e sobre o universo, enriquecendo ainda mais esta experiência de não apenas construir um foguete, mas estarmos imersos neste contexto.

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Nossa roda de conversa com a Raquel

Depois de muitas pesquisas e conversas, pensamos em como seria este foguete: de papelão, que comportasse pelo menos três ou quatro crianças e que nos ajudasse a ir bem alto. Para isso, precisaríamos de uma estrutura bem forte e com a ajuda do senhor Brasilino, funcionário da escola, demos início à construção do foguete. Ele trouxe aros de metal, ripas de madeira, parafusos e furadeiras e ficamos encantados vendo seu trabalho de dar forma ao nosso tão esperado foguete.

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Sr. Brasilino nos ajudando na construção do grande foguete!

Nestas nossas aventuras espaciais, brincamos muito, exploramos o universo através de diversas linguagens: este foguete é construído brincando, pintando, dançando, trocando experiências e saberes com tantas pessoas. Feito de imaginação e de realidade. De corpo inteiro. E teria como ser de outro jeito? Aqui, com as meninas e meninos dos agrupamentos, algo ficou muito claro: o céu não é o limite.

Clique aqui para ver mais fotos.

Priscila Britto

Outubro de 2017

O ponto de vista do oficineiro...

Ao nos debruçar coletivamente sobre o projeto do que viria a ser a USINA, pensamos em convidar para residências artísticas naquele espaço, ao lado das crianças, gente com habilidades diversas. O primeiro artista seria o “Rebenta”, pedreiro que atuou na reforma da casa e sabe dar forma de bichos às madeiras usadas na obra. Assim ocorre, apesar do Rebenta furar. Habilidades de Joana e Brasilino, funcionários da escola, têm sido requeridas. Mães e avós cortam, costuram e bordam. Não podia imaginar que seria eu também convidado para “oficinar”. Mas fui. Algum pequeno lembrador assoprou que sou aprendiz de marceneiro e lá estive eu a ajudar no corte das madeiras para fazer brinquedos “a la Torres Garcia”, artista uruguaio que eles descobriram. Fiz o que me estava ao alcance em uma meia dúzia de encontros. O que resultou disso as crianças é que vão contar. Eu mesmo fiquei foi com o aconchego da convivência. Estava ali, a prestar serviço e achar soluções rápidas, às vezes precárias, para seus projetos – estes sim, sofisticados. Enquanto ticoticava os contornos, vivi intensamente os abraços gratuitos, as frustrações de quem esperava imediatez na execução, as necessidades de adequar desenhos e intenções, a incontrolável tentação de soprar o pó das madeiras bem no meu nariz, as confidências de vidas vividas fora da escola – que guardarei a sete chaves, juro –, e  o fenômeno de ver as crianças me estranhando quando cometi a imprudência de colocar máscara para evitar a poeira da serragem, o que fez esconder boa parte de minha expressão facial. Logo, aboli o adereço ignóbil. Eu era um prestador de serviços, mas eles pediam mais que o serviço prestado. Imprescindível era que nossas subjetividades estivessem ali integrais, visíveis, disponíveis para as trocas afetivas. USINA de pulsações! Ninguém sai dali o mesmo que entrou. Vou ver se afino meu suingue vital ao compasso dessa gente que sabe bem produzir encontros potencializadores porque autênticos e alegres.

Silvio Barini Pinto

O relato da professora...

A essência do brincar não é um “ fazer como se”, mas um “fazer sempre de novo”, transformação da experiência e hábito.

Walter Benjamin

Durante as manhãs de quarta-feira na Usina, as crianças vivenciaram uma experiência de trocas singulares. Tudo começou pelo desejo de construir brinquedos de madeira. Resolvi levar o livro Joguetes do artista plástico Torres Garcia para que pudéssemos pensar o processo de construção. O livro ilustra alguns dos processos do artista; há imagens de desenhos dos protótipos de brinquedos e fotografias deles já prontos. “Olha que legal, ele fez um carro que gira as rodas”, “Nossa, esse boneco se mexe, eu quero fazer um igualzinho”. “ Mas, Gabi, como a gente faz isso?”

Esta pergunta suscitou-me outras, para que assim, pudéssemos investigar essa artesania. “Bom, primeiro precisamos pensar o que é necessário para construir brinquedos de madeira. Quem tem alguma pista?”

“Precisamos de madeira!” Achei uma boa resposta e em seguida outra pergunta me veio. “Sim, mas quem irá cortar a madeira?”

“Um marceneiro”, devolvi outra pergunta: “ótimo, onde podemos encontrar um?”. Uma criança recém chegada no São Domingos disse: “na escola, podemos chamar o Silvio, o diretor. Soube que ele é marceneiro, até machucou o dedo uma vez fazendo coisas com madeira.”

Assim começou nossa viagem. As crianças fizeram desenhos do que gostariam de projetar. Silvio veio nos encontrar com seu “artefato”; cortador de madeira, furadeira, retalhos de madeira, máscara e começou olhar atendo aqueles desenhos. Alguns desenhos estavam pequenos. Nós e as crianças começamos a pensar que não seria possível cortá-los por conta do tamanho. “Qual será a melhor madeira?” Esse processo durou uns três encontros. Depois chegaram as madeiras certas e começou o corte já com os desenhos das crianças projetadas nos pedaços de madeira. “O meu vai mexer as patinhas”. “ Quero que meu ratinho mexa as patinhas e o bigode”. “A asa do meu dragão tem que ficar esticada”. 

O que mais me chamou a atenção nesse projeto não foi apenas as aprendizagens garantidas como o desenho enquanto linguagem materializado na madeira. Foi sobretudo a troca dessas experiências. Ali, diretor, professora e alunos mergulhados em um universo particular, trocaram seus saberes, olhares, certezas e dúvidas. Fizemos um projeto pautado também nas relações, no sensível. Logo as crianças passaram a olhar o Silvio, não mais como diretor, mas também como parceiro, amigo. “Sabia que amanhã é meu aniversário?” “ Posso te dar um abraço, eu amo abraçar as pessoas”.

Enquanto a madeira era cortada, relações eram construídas: brincávamos, construíamos novos brinquedos com os retalhos, fazíamos piadas, demos muitas risadas... Aprendemos a lidar com o tempo, com a espera, com a parceria e, sobretudo, com o fazer junto. O pensamento coletivo, a troca, e o respeito, coisas tão raras e tão fundamentais para nós.

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